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TESTEMUNHO de um sacerdote: Damião de Molokai

O Padre Damião de Veuster, SS.CC., mais conhecido como Damião de Molokai, vai ser declarado Santo pelo Papa Bento XVI no dia 11 de Outubro, na praça de São Pedro, no Vaticano.
O Padre Damião, nascido na Bélgica em 1840, foi viver como missionário junto aos leprosos da ilha de Molokai (Hawai) aos 33 anos de idade. Após 16 anos a atender heroicamente os leprosos, morreu também leproso em 1889. Tinha 49 anos. Seguindo o exemplo de Jesus, “amou-os até ao fim”, dando a vida por eles.
Damião nasceu no seio de uma família numerosa da região flamenga, a norte da Bélgica. Eram pequenos proprietários de fazenda agrícola e pecuária, e os pais, de fé católica profunda, pensaram em dedicar o pequeno dos filhos para continuar o trabalho da casa. Contava Damião 18 anos e já duas das irmãs tinham se tornado religiosas e o irmão mais velho, Pânfilo, era para já religioso dos Sagrados Corações, na altura uma pequena Congregação missionária de origem francesa. Damião sentiu a vocação, foi difícil comunicá-la aos pais. Entretanto, professou como irmão dos ss.cc. e, após luta apurada com o latim e o francês, conseguiu dos superiores encetar a Teologia. O seu sonho era ser missionário em terras longínquas, queria ser como São Francisco Xavier: a ocasião pintou quando o seu irmão ficou doente pouco antes do barco partir para o Pacífico Sul. Damião, em arrebatado entusiasmo, pediu para substituí-lo.
Não dá para narrar a viagem dos missionários por aqueles oceanos, do Atlântico Norte ao Sul, a passagem pelo Cabo de Hornos, a entrada no Pacífico… Cinco meses de navegação!
Damião formava parte da equipa missionária de padres e irmãs dos SS.CC. que tinham recebido da Congregação para Propagação da Fé a missão das Ilhas Sandwich, assim chamado então o arquipélago hawaiano. Aprender a língua kanaka, adaptar-se ao clima, aos costumes… Damião encarou isso tudo com a proverbial fogosidade do seu temperamento.
Estala uma epidemia de lepra no arquipélago: o governo das Ilhas, naquela altura uma monarquia autóctone, resolve internar os leprosos num cárcere natural, a cara norte da ilha de Molokai, entre o mar e a montanha.
A lepra, uma doença da pele, incurável na altura, provocava então muito mais terror do que hoje. Alguns suspeitavam ela ser própria de povos subdesenvolvidos, ligada com costumes licenciosos, relacionada com a sífilis e outras doenças venéreas. O estigma do leproso era total: para além da desintegração física, a exclusão social, a maldição divina.
É neste contexto que se compreende a angústia do padre provincial ao pedir voluntários para atender os leprosos. “Sem tocá-los, sem conviver com eles…”, disse. Mas, “alguém poderia ir à Molokai durante um tempo?” Levantam-se alguns sacerdotes, entre eles Damião. É ele o escolhido para lá ir.
Consta que Damião, aos 33 anos, nunca imaginara o que ia acontecer com ele: simplesmente tomou uma decisão coerente com a sua profissão perpétua embaixo do manto mortuário. Ele era assim: entusiasta, lançado, convencido de que o Senhor precisava dele para ir à Molokai naquele momento.
O que aconteceu depois ultrapassou as expectativas: Damião chegou à ilha e encontrou uma espécie de semi-caos. Kalawao era uma aldeia mais para depósito de doentes não atendidos, destinados a morrer, sem família, nem hospital nem cuidados, do que um assentamento humano digno desse nome. Prostituição, droga, assassínios.., normal entre pessoas abandonadas a si próprias. Foi precisa muita paciência, muita dedicação, muita oração.., para conseguir formar um povo daquela massa de moribundos.
Sempre é citada a frase de Mahatma Ghandi “é preciso saber de onde tirou este homem a força para tal heroísmo”, e todos nos perguntamos onde esteve o segredo de Damião para levar a cabo uma tal empresa. A resposta está no sacrário, certamente, na presença constante do Jesus Eucarístico , nas adorações e celebrações… Jesus foi o Amigo que Damião teve nas idas a cavalo a visitar as aldeias, nas curas dos leprosos, na forma de encarar aos inimigos – que não foram poucos, dentro e fora da ilha - , na presença de ânimo para não se deprimir nos momentos piores de solidão. Quando contraiu a doença – nunca obedeceu a quem lhe dissera que “não tocara os leprosos” – houve médicos a suspeitar dele ter tido relações com leprosas. Logo se demonstrou o contrário…
Damião amou em excesso. Entrou naquilo que Paulo disse na 1Cor: a loucura da Cruz. Li há pouco: “O Reino faz-se presente não pelas instituições de direito, mas pela acção dos homens justos. O Reino advém lá onde o poder do bem faz que recue o mal, sempre fascinante. Por isso, a metáfora da ‘clareira na floresta’ parece-me razoável. Assim percebido, o Reino é uma clareira no coração da história perversa ou ambígua..”p.270. E mais adiante (p.272) “Os justos não se contentam com seguir uma conduta razoável; excedem-se no desempenho, porque o mal que o mundo gera é também excessivo, daí a reclamar um excesso de bem”. (Christian Duquoc, “Creo en la Iglesia”, Precariedad institucional y Reino de Dios, Sal Terrae, Santander, 2001).
Damião é uma “clareira no coração da história”, uma testemunha de que o Reino está aí a fazer o seu trabalho. As sementes de misericórdia, compaixão e solidariedade que se manifestam na sua vida têm dado fruto no Senhor. Ele morreu, segundo consta, feliz. Caindo aos pedaços, com seus membros desfigurados, porém feliz. Disse: “Como é doce morrer filho dos Sagrados Corações”.
São Damião, rogai por nós.

Luís Manuel Alvarez Garcia, ss.cc

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