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SÍNODO PARA A ÁFRICA

Sínodo para a África abre-se a grandes esperanças. Também para o catolicismo global
No domingo (4) de manhã, o Papa Bento XVI celebrou a missa de abertura do Sínodo para a África, que se reúne no Vaticano entre os dias 04 a 25 de outubro. É um daqueles eventos na vida da Igreja que deveria ser enormemente importante, mesmo que não se saiba se ele realmente vai dar vida ao seu potencial.
Este é o segundo Sínodo para a África. O primeiro se reuniu em 1994, no auge do genocídio em Ruanda.
Como eu comumente digo quando um Sínodo está por vir, há duas visões acerca do seu valor, que poderíamos chamar de perspectivas "copo metade cheio" e "copo metade vazio".
A análise é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 02-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Este último é muito mais fácil de expor: um Sínodo é uma reunião de negócios cara que tipicamente obtém muito pouco. De fato, eles são quase sistematicamente projetados para assegurar que muitas das ideias novas ou interessantes sejam descartadas até o final ou mencionadas meramente como coisas a serem ponderadas, em vez de serem itens de ação. Dada a expectativa de que qualquer proposta real deva gozar de um amplo consenso, os Sínodos tipicamente encerram afirmando as práticas existentes e convidando então para um estudo posterior sobre quase todo o resto.
Por outro lado, a visão "copo metade cheio" sustenta que um Sínodo é de grande valor pelas ideias e pela energia que desencadeiam, apesar de suas conclusões formais em muitos casos. (De fato, essas ideias surgem ao redor da sala de reuniões do Sínodo, em vez de surgirem diretamente dentro dela). É uma chance para iniciar conversações e para pôr as ideias na mesa, não apenas em um marco local, mas também para uma amostra representativa da Igreja universal. É também um seminário de um mês de duração sobre a diversidade do catolicismo global, já que participantes de várias partes do mundo têm a chance de compartilhar experiências, se conhecer e aprender uns dos outros. Mesmo aqueles que prestam atenção ao evento de longe podem se beneficiar.
Nesse sentido, aguardar as declarações finais e as proposições de um Sínodo é quase exatamente a forma errada de acompanhá-lo. Pelo contrário, é importante ver as conversas em suas fases iniciais, antes do período de polimento e refino e antes que as partes mais provocativas e originais sejam cortadas.
Faça isso e, em muitos casos, você irá encontrar muitas coisas para ficar pensando a respeito.
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O espetacular crescimento do catolicismo na África junto com o sentimento juvenil e dinâmico da fé lá geraram muitos comentários de que "a África é o futuro". As grandes esperanças pelo Sínodo deste mês, assim como o realismo acerca dos desafios que ele irá enfrentar, podem ser vislumbrados a partir das reflexões pré-Sínodo que circulam na África e entre os africanos.
Na quinta-feira, 1º, eu participei de uma oficina sobre o Sínodo, patrocinado pelo Pax Romana, um movimento católico internacional para questões intelectuais e culturais, realizado na Casa Ravasco, perto do Vaticano, de forma a fazer recomendações aos bispos. A oficina estudou assuntos como os modelos alternativos de desenvolvimento econômico (tentando encorajar os africanos a aproveitar as vantagens competitivas locais para incrementar a produtividade e o valor de mercado de seus produtos), assim como as possibilidades para resolução de conflitos e construção da paz.
O padre dominicano Emmanuel Ntakarutimana, do Burundi, fez a seguinte séria observação: em termos de porcentagem de população, as quatro nações mais cristãs da África são o Burundi, a Ruanda, a República Democrática do Congo e o Congo [ou Congo-Brazaville]. Elas também são, claro, as quatro nações que viram as mais atrozes carnificinas na última década e meia, incluindo o genocídio de Ruanda e a grande guerra na região dos Grandes Lagos, centrada no Congo – cada uma das quais deixou milhões de mortos e gerou dezenas de milhões de refugiados.
De fato, Ntakarutimana disse que poderia testemunhar a partir de sua experiência pessoal no Burundi que, quando a violência estourou por lá, as vítimas foram de menor número nas áreas dominadas por muçulmanos. Dizendo-o de forma mais chocante, aqui segue a sua conclusão: quanto mais cristã é uma nação, mais alta é a possibilidade de você ser massacrado lá.
Obviamente, disse Ntakarutimana, isso levanta a problemática questão sobre que tipo de evangelização ocorreu entre os cristãos nessas nações e o que precisa mudar para assegurar que esses conflitos não se repitam. Dentre outras coisas, Ntakarutimana recomendou um sério investimento em institutos de construção da paz que poderiam analisar os conflitos e treinar especialistas, tanto padres quanto leigos, para resolvê-los. (Ntakarutimana acrescentou que existem modelos para esses institutos nos Estados Unidos e na Europa, mas, muito frequentemente, esses institutos querem que os africanos estudem em seus campi em vez de investir na construção de instalações na própria África, mais perto de suas realidades locais).
Em geral, Ntakarutimana recomendou que a Igreja católica enfoque no que ele chamou de "terapia social e na cura da memória", repensando a natureza da identidade cristã para enfatizar o fato de ser "uma família centrada na Eucaristia".
O evento do Pax Romana não é o único fórum em que estão sendo feitas reflexões sobre o Sínodo.
O padre Patrick Devine, da Sociedade das Missões Africanas e presidente da Conferência de Superiores Religiosos do Quênia, recentemente publicou uma declaração sobre o Sínodo, destacando seu tema sobre reconciliação. Mesmo não diminuindo a importância das guerras regionais de grande escala, Devine também acentuou os pequenos conflitos interétnicos, alimentados por questões como "escassez de recursos ambientais, variação cultural, negligência do Estado, uso contestado do território e a proliferação de pequenas armas".
Esses conflitos, defendeu Devine, geralmente fazem com que os programas catequéticos da Igreja, suas escolas, hospitais e outros ministérios fiquem "inoperantes". Uma abordagem da evangelização na África que não inclua um treinamento sério de construção da paz, escreveu, representaria "um defeito fundamental na atitude e na visão da missão da Igreja".
A Irmã do Santo Menino Jesus Teresa Okure, uma nigeriana que atua como coordenadora acadêmica do Instituto Católico da África Ocidental, manifestou esperança de que o Sínodo aborde o papel da mulher – tanto nas sociedades africanas como na própria Igreja.
"A marginalização das religiosas e das mulheres em geral, ou dando-lhes apenas conhecimento aqui a ali, é simplesmente um pecado, uma prática que é contrária ao desígnio de Deus, se a nossa igualdade e unicidade em Cristo, através do Batismo, é alguma coisa a se ter em conta", escreveu Okure. "A prática distorce a imagem de Deus na mulher, afasta a mulher do seu direito batismal e do novo estado em Cristo e empobrece grandemente não só a mulher, mas toda a comunidade eclesial e humana, depreciando, matando e suprimindo os talentos da mulher dados por Deus".
Okure, uma das especialistas do Sínodo indicadas pelo Papa, aconselha que os líderes da Igreja "ensinem pelo exemplo em vez de pelo preceito". Dentre outras coisas, ela recomenda que se retome uma sugestão do primeiro Sínodo para a África de 1994 de formar uma comissão de mulheres "para, criticamente, estudar a forma de integrar as mulheres na missão da igreja".
Okure também convidou os religiosos africanos a refletir sobre como podem fomentar a reconciliação dentro de suas próprias comunidades.
"Em alguns casos, os superiores têm um estilo de vida diferente; têm um cardápio diferente dos outros membros da comunidade", escreveu. "A iniciativa das irmãs jovens é muitas vezes esmagada sob a capa de estarem forçando o voto de obediência [...] Por vezes, pessoas com poder nas congregações subornam os membros com toda a espécie de promessas, incluindo a possibilidade de avançar nos estudos se forem eleitas".
Com efeito, sugeriu Okure, o Sínodo deve ser uma ocasião para frear esses abusos.
A Associação das Conferências Episcopais da África Oriental (AMECEA) publicou uma declaração, assinalando alguns desafios para que o Sínodo resolva, incluindo:
· A recessão econômica global;
· Os problemas políticos da África, incluindo "liderança pobre, políticas eleitorais caóticas e fracos acordos de partilha do poder", assim como "corrupção em todos os níveis";
· Desastres ecológicos;
· Conflitos armadas;
· O poder crescente do Islã mundial, rumo a pressões pelo reconhecimento da Sharia, ou Lei Islâmica, em áreas com populações significativamente muçulmanas (as reivindicações por "Cortes Kadhi" no Quênia e na Tanzânia são um exemplo);
· HIV/Aids;
· Uma "espiritualidade aprofundada" e uma " sólida inculturação";
· Pobreza geral, incluindo "sérios problemas econômicos em muitas áreas da vida da Igreja" (os bispos acrescentam que a sustentabilidade na Igreja africana deve demonstrar "uma maior responsabilidade e abertura na nossa divulgação das finanças da Igreja", assim como um "manuseio duramente honesto de toda a nossa renda");
· O crescimento de "novas seitas internas" dentro da Igreja, como os movimentos fundados por padres casados e uma "crescente insatisfação de mulheres e jovens".
Os bispos da África Oriental apresentam, então, quatro expectativas para o Sínodo:
· Que seja "muito prático, muito concreto e muito realizável";
· Que tenha um "plano claro de seguimento estratégico ";
· Que respeite "as particularidades e diversidades da Igreja" no continente africano;
· Que seja visto "como um processo, e não como um evento".
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Claro, é quase certo que o Sínodo não irá, na verdade, responder a todas essas expectativas. Pode ser isso o que o arcebispo aposentado Peter Sarpong, de Gana, tinha em mente quanto disse: "O risco é que o segundo Sínodo para a África seja exatamente como os anteriores: uma ocasião para repetir grandes verdades sobre a Igreja, mas sem sugerir aplicações práticas".
A revista católica Leadership, da Uganda, ofereceu uma visão similarmente cética do que o Sínodo pode obter, afirmando que "o nosso problema não é a falta de soluções, mas sim a vontade de efetivamente disseminar e implementar as descobertas". A Revista Teológica Africana afirmou que um segundo Sínodo para a África pode ser prematuro, já que os resultados do primeiro ainda não são amplamente conhecidos ou efetivamente implementados.
Apesar de tudo isso, alguns observadores, no entanto, permanecem esperançosos de que a assembleia possa gerar alguma nova energia útil. O padre jesuíta Peter Henriot, que dirige o Centro Jesuíta de Reflexão Teológica, no Zâmbia, disse recentemente que o tema do Sínodo sobre reconciliação é "muito relevante" não apenas para o Zâmbia, mas para "todos os países africanos".
Na verdade, a mesa parece posta, pelo menos, para três semanas de conversas fascinantes. Assim como fez no passado, espera-se que o Papa Bento XVI participe de muitas das sessões diárias do Sínodo e faça algumas considerações pessoais mais ou menos na metade do encontro.
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Uma nota de rodapé: no dia 08 de outubro, o Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, junto com a embaixada da Alemanha na Santa Sé, irão promover um concerto que marca o 70º aniversário da Segunda Guerra Mundial, intitulado "Youth against War" [Juventude contra a guerra]. O Papa Bento XVI irá participar do concerto, que apresentará peças de Mendelssohn e Mahler.
Alguns grupos judeus, muitos com sede nos Estados Unidos, também concordaram em copromover o concerto, e espera-se que enviem representantes.
O cardeal Walter Kasper apresentou o evento em uma coletiva de imprensa do Vaticano, na quinta-feira, 1º, e eu lhe perguntei se ele achava que o concerto teria alguma relevância para o Sínodo para a África.
"Quisemos inserir esse evento no contexto do Sínodo", disse Kasper, acrescentando que o Papa pensou que seria "muito importante". A experiência da Europa em superar sua própria história, disse Kasper, poderia oferecer "um sinal, um exemplo" para a África hoje.
Com sua forma própria, indicou Kasper, a Segunda Guerra Mundial foi um conflito étnico e tribal, não inteiramente dessemelhante de muitas guerras africanas. Indicando que nascera em 1933, Kasper disse que cresceu em escolas alemãs. "Fomos ensinados de que os franceses eram nossos eternos inimigos". Agora, afirmou, qualquer afirmação desse tipo só "nos faz rir".
"A Europa hoje é uma esfera de paz, e isso pode ser um sinal para a África de que os conflitos podem ser superados", disse Kasper. Ele também acrescentou que os participantes do Sínodo foram convidados para participar do concerto e que eles aceitaram com entuasiasmo.
"Será algo divertido, já que o Sínodo tende a ser terrivelmente pesado", disse.
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Papa alerta para neocolonialismo cultural na África
Na cerimônia de abertura de um sínodo de bispos africanos que reúne mais de 300 clérigos durante três semanas no Vaticano, o Papa Bento XVI alertou o continente para os “perigos do materialismo”, que ele classificou de “lixo espiritual tóxico” exportado pelos países desenvolvidos.
A notícia é do jornal O Globo, 05-10-2009.
O Pontífice ressaltou a rica herança cultural e espiritual da África, mas lamentou que o continente esteja sendo vítima do materialismo e de grupos que espalham o fundamentalismo religioso, num pano de fundo ligado a interesses políticos e econômicos.
— Eles estão fazendo isso em nome de Deus, mas com uma lógica que que é oposta à lógica divina: ensinar e trabalhar não com amor e respeito pela liberdade, mas com intolerância e violência.
A Igreja Católica vem crescendo com vigor na África, onde passou de 55 milhões de fiéis para 146 milhões, entre 1978 e 2007, segundo cálculos do Vaticano que afirmam serem católicos atualmente 17% da população do continente. Ao mesmo tempo, a região enfrenta sérios problemas de pobreza, conflitos e Aids que têm sido desafios para a atuação da Igreja Católica.
Entre os temas espinhosos que serão debatidos no sínodo está o uso de camisinhas, defendido por muitos como forma de prevenção da Aids, mas condenado pela Igreja.
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Arcebispo de Aparecida (SP) e presidente do Conselho Episcopal Latino Americano (Celam), Dom Raymundo Damasceno Assis, foi nomeado pelo Papa Bento XVI para participar da 2ª Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos, de 04 a 25 de outubro, em Roma.

O Sínodo dos bispos é uma reunião de bispos, de uma determinada região ou continente, convocada pelo Pontífice. O continente escolhido, pela segunda vez, foi o africano. A primeira foi em 1994, convocada pelo então Papa João Paulo.

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